Fazer predições com base em um grande volume de dados. Diagnosticar doenças a partir de informações genéticas, históricos médicos e exames. Encontrar o suspeito de um crime com reconhecimento facial. Raciocinar dentro de um cenário de incertezas. Realizar análises financeiras e avaliar os riscos de uma empresa a partir de consultas de megadados. Todas essas tarefas, antes feitas por nós, humanos, já podem ser executadas com inteligência artificial, a IA. Mas, afinal, como definir essa tecnologia que está mudando nosso mundo e promete transformar mais ainda nossa sociedade?
A IA envolve tecnologias computacionais que atuam inspiradas – ainda que ajam de forma diferente – na maneira humana ou de outros seres biológicos de sentir, aprender, raciocinar e tomar decisões.
São várias as definições da IA. Uma delas a descreve como a atividade dedicada a tornar as máquinas inteligentes, e inteligência é a qualidade que permite que uma entidade funcione adequadamente e com previsão em seu ambiente. Ainda que não tenhamos uma definição exata, podemos dizer que IA envolve tecnologias computacionais que atuam inspiradas – ainda que ajam de forma diferente – na maneira humana ou de outros seres biológicos de sentir, aprender, raciocinar e tomar decisões. Uma descrição mais simples seria: é uma área multidisciplinar cujo objetivo é automatizar atividades que requerem inteligência humana.
Prima-Irmã da Computação
Há pouco tempo a IA era vista como ficção científica, sua história se confunde com a da própria computação. O britânico Alan Turing (1912-1954), conhecido como pai da computação, foi um dos pioneiros na área. O desenvolvimento da IA começou na década de 1950. Em 1956, um grupo de pesquisadores, entre eles os americanos Nathan Rochester (1919-2001), da IBM, Claude Shannon (1916-2001), o pai da Teoria da Informação, e John McCarthy (1927-2011), se reuniu em uma conferência no campus da Dartmouth College, nos Estados Unidos. Neste encontro, McCarthy alcunhou o termo inteligência artificial, definindo-o como “a ciência e a engenharia de produzir máquinas inteligentes”.
A partir deste evento, as primeiras pesquisas e resultados usando IA começaram a surgir. Em 1959, aparece pela primeira vez o termo machine learning para se descrever um sistema que permitia aos computadores aprender alguma função sem serem programados diretamente para isso. De uma forma simples, a máquina após o aprendizado – que seria fornecer dados de entrada para um algoritmo – seria capaz de executar a tarefa de forma automática.
Décadas depois, no entanto, observou-se que os avanços não estavam acontecendo na velocidade que se imaginava. Os pesquisadores pioneiros de IA acreditavam que em, no máximo uma geração, as máquinas teriam a mesma capacidade intelectual que os humanos, o que não se realizou. Essa frustração trouxe períodos de baixo investimento na área, que logo eram retomados, muitas vezes impulsionados pelas evoluções tecnológicas nos computadores.
A Vitória da Máquina
Nos anos 1990, com o surgimento da internet comercial, a IA sofreu um novo impulso ao ser usada para o desenvolvimento de sistemas de navegação. O protótipo do que seria hoje o Google surgiu nessa época como uma ferramenta baseada em programas que analisavam os dados da rede e os classificavam em grupos de interesse predeterminados. Nesse período também, foi desenvolvida uma máquina para jogar xadrez: o Deep Blue era capaz de analisar todas as possibilidades e, assim, prever respostas e o melhor movimento das peças do jogo. Venceu uma partida contra o campeão do mundo, o soviético Garry Kasparov. Foi a primeira vez que uma máquina derrotou um humano, mas na série de partidas o enxadrista levou a melhor.
Daí em diante, foram muitos os avanços tecnológicos que provocaram um aumento exponencial de aplicações da inteligência artificial. A automação de processos, que são operados por “robôs” na indústria; sistemas inteligentes analisam imagens para reconhecer padrões e auxiliar os médicos na tomada de decisão de diagnósticos; os assistentes pessoais como a Siri e a Alexa que interagem com o usuário de smartphones; os jogos digitais que aprendem o comportamento do jogador; os veículos autônomos e muitas outras tecnologias que fazem parte de nosso dia a dia.
Os pesquisadores pioneiros de IA acreditavam que em, no máximo uma geração, as máquinas teriam a mesma capacidade intelectual que os humanos, o que não se realizou.
Trampolim para a IA
Mas o que está transformando este início de século 21 na “era de ouro da IA”? É possível elencar alguns aspectos:
1 – Alta conectividade: não somente a sociedade mundial encontra-se mais conectada digitalmente, como também as máquinas, por meio de de diferentes sensores.
2 – Baixo custo computacional: cada vez mais, “chips” eletrônicos com capacidade de processamento igual ou maior que os modelos anteriores são lançados e com custos cada vez menores.
3 – Grande quantidade de dados (Big Data): vivemos num mundo em que a quantidade de dados como fonte de informação tem aumentado de uma forma exponencial. Processar esses dados e extrair conteúdos relevantes tem sido um grande desafio, e a IA tem se mostrado uma ótima ferramenta para tal.
4 – Machine Learning: o aprendizado de máquina se baseia em algoritmos e modelos matemáticos para extrair ou reconhecer padrões escondidos em um conjunto de dados. Essa capacidade de associar dados novos aos padrões aprendidos permite que essas máquinas, por exemplo, possam identificar objetos em imagens ou vídeos.
Qual a diferença entre IA, machine learning e deep learning?
Com o avanço da inteligência artificial em nosso dia a dia, surgem também outros dois termos: machine learning e deep learning. É comum considerar que os três são sinônimos, mas não é bem assim.
A inteligência artificial é a capacidade de uma máquina agir inspirada no comportamento de humanos e outros seres biológicos. A IA é o termo mais amplo, ou seja, toda machine learning é IA, mas nem toda IA é machine learning.
Mas o que é, afinal, machine learning? Esse subconjunto de IA é a capacidade de uma máquina de aprender, como diz o nome, a partir de uma grande quantidade de dados imputada. Com toda essa informação recebida, são construídos modelos capazes, por exemplo, de fazer predições, com erros mínimos em alguns casos. Como exemplo, podemos citar o uso de técnicas de machine learning para predição de preços de ações no mercado de bolsa de valores. Esse modelo de predição, baseado, por exemplo, em redes neurais, poderia ser capaz de indicar o valor de fechamento do próximo dia dos papéis mais importantes negociados em uma bolsa de valores.
Já o deep learning é um subconjunto do machine learning e também a tecnologia que o torna aplicável. Baseado em redes neurais inspiradas na capacidade cognitiva do cérebro humano, o deep learning dispensa uma etapa de pré-processamento de dados – que é obrigatória no machine learning – e é capaz de interpretar dados recebidos de forma primária. Os sistemas ou máquinas baseados em deep learning são capazes de aprender e se aperfeiçoar quanto mais são expostas ao uso. Alguns exemplos são reconhecimento facial em tempo real, sistemas de busca na internet e chat-bots.
Um risco para os humanos?
Diante de tanta evolução, que impactos positivos ou negativos essas mudanças proporcionadas pela IA terão na sociedade? Haverá menos empregos, com as máquinas substituindo os humanos? Essa análise não é simples e nem definitiva, uma vez que estamos no meio de um processo de transformação. Mas é possível apontar alguns sinais do que, provavelmente, ocorrerá no futuro.
Em primeiro lugar, é preciso ver que a IA é parte de um contexto maior resultante das transformações digitais que já impactam as economias mundiais. Dentro desse cenário, mudanças são esperadas nas relações de emprego e trabalho. De acordo com um estudo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), há uma tendência de se separar as atividades com tarefas automatizáveis e de se valorizar as atividades humanas. Com isso, espera-se que o trabalhador do futuro seja responsável por gerenciar riscos, estratégias e operações de suas atividades. Assim, aquelas ações mais repetitivas e mecanizadas serão, provavelmente, assumidas por máquinas inteligentes. Nesse futuro, aponta o estudo, as relações de trabalho devem ser mais horizontais, substituindo a linha vertical “patrão-empregado”, e os profissionais terão um papel mais autônomo no trabalho e na produção de valor.
Outro aspecto importante é o uso dessas novas tecnologias para melhorar a qualidade de vida da sociedade. Segundo o estudo do MCTIC, as transformações digitais, incluindo a IA, podem ser empregadas para combater a fome, aumentando, por exemplo, a produtividade agropecuária, reduzindo as perdas no campo e na logística de distribuição. Podem ainda reduzir o impacto das mudanças climáticas, por meio de uma rede de sensores inteligentes que, associada às técnicas de IA, faça mitigação ou prevenção de desastres naturais.
A discussão sobre como será o nosso futuro com a inteligência artificial não se esgota nesses tópicos. Há muito mais o que refletir sobre suas implicações positivas e negativas. Mas o primeiro passo é conhecer e divulgar a tecnologia à sociedade para que seja empregada da forma mais justa possível.
Quem chegará primeiro na corrida para dominar IA no mundo?
Está em curso uma corrida mundial para liderar as pesquisas e o desenvolvimento na área de inteligência artificial. Disputas tecnológicas são comuns na história da ciência, e uma das mais conhecidas é a corrida pela conquista do espaço, em meados do século 20, entre a antiga União Soviética e os Estados Unidos.
Na corrida pelo domínio da IA, dois competidores aparecem muito à frente dos demais: Estados Unidos e China. Ainda não está claro como esse domínio, de fato, se manifestará, mas, com base no passado, é possível inferir que a superioridade tecnológica se reflete diretamente em poder econômico, político e militar.
Nos EUA, por exemplo, em julho deste ano, a Casa Branca emitiu uma ordem executiva para que o NIST (National Institute of Standard and Technology), instituto similar ao Inmetro no Brasil, conduza pesquisas e desenvolvimentos em IA com o objetivo de o país se tornar líder nesta área, impedindo o domínio chinês.
A liderança na área de IA é altamente estratégica. Imagine como seria se um país dominasse toda a informação bruta do mundo e fosse o único capaz de processar esses dados? Seria uma distância equivalente à que existe entre os países que exportam suas riquezas brutas a preços baixos e, depois, precisam importar seus derivados a altos custos, por não dominarem tecnologias de processamento.
Outra área estratégica está relacionada a defesa e ataque cibernético. Imagine, por exemplo, se um ataque manipular e alterar informações sensíveis, como dados financeiros? A consequência poderia ser implodir todo o sistema econômico de um país.
Para países que estão atrás nessa corrida, como o Brasil, um caminho para minimizar o atraso tecnológico, talvez, seja criar mecanismos ou leis que endureçam a imposição externa de tecnologias de IA com potencial para comprometer, por exemplo, a economia. Melhor solução seria acelerar o desenvolvimento na área, mas isso não será possível para muitas nações.